20 de dezembro de 2009

O PORTO E OS JUDEUS - 5. OS MARRANOS



As escadas da Esnoga (Sinagoga) e orgão de tubos no interior da igreja paroquial da Vitória. Fotos de Maria Beatriz Capitão, em 5 de Dezembro de 2009, durante a sessão de "Romper os Sapatos".

Ainda a propósito da presença judaica no Porto, e das conversas/reflexões que motivou a nossa última "peregrinação" do "Romper os Sapatos", que incidiu sobre o morro da Vitória, no Porto, local da antiga judiaria medieval da cidade, recebemos no nosso colega João Ferreira (a quem transmito um abraço de agradecimento), as seguintes notas:

Sabendo que em História as verdades são circunstanciais e que tudo é sempre questionável...
Na Galiza e no Alto Minho Interior, "desde tempos imemoriáveis"(1) e ainda vulgarmente até hoje, o animal porco sempre foi chamado de marrano ou de porco mesmo,
Aí, igualmente, desde tempos imemoriáveis e até hoje, marrano também foi e é utilizado depreciativamente designando sujo, imundo, sem o mínimo de higiene, proximamente indesejável,
O termo, também sempre foi e continua a ser usado nas zonas de influênca galaica (só celta?), numa perspectiva eticamente solidária com crianças e amigos, em termos de chamada-de-atenção para a higiene corporal e alimentar fudamental para o bem estar individual e comunitário e para evitar enfermidades.
Na galiza, só utilizam a palavra cerdo (para o porco) quando têm que falar castelhano, especialmente com os migrantes ou turistas nacionais ou estrangeiros (e a custo, porque a palavra para eles sempre foi marrano).
A palavra cerdo foi-lhes imposta ao fim das inúmeras tentativas de unificação linguística de Espanha,
Cochino (francesismo), só muito recentemente usado, tem os mesmos significados de insulto e para denominar o animal pequeno.
Provavelmente, os tais "judeus perdidos" e independentemente de serem insultados de marranos pelas suas práticas sócio/culturais e religiosas diferentes dos seguidores católicos então dominantes, poderiam eles mesmos se auto-intitularem de marranos, pelas diferenças de comportamentos higiénicos (bons ou menos bons) que verificavam existir relativamente aos não judeus.
De recordar que os muçulmanos, de que na época, e sempre, ficou presença no norte de Portugal, faziam e fazem as suas várias orações diárias, virados para Meca, apenas só após estarem limpos, seja pelo menos com as mãos e a cara passadas por água.
Aí os judeus poderiam sentir uma diferença, por as suas práticas diárias não serem tão exigentes.

(1) Fonte: Contactos/entrevista com idosos de idade bastante avançada, adultos conhecedores da História Galaica, jovens, jovens estudantes e muito jovens de várias povoações da Galiza e do Alto Minho. Alguns contactos confirmatórios renovados após a 2ª etapa de "romper os sapatos".

João Ferrreira


Ainda sobre este tema não posso deixar de remeter os colegas para um interessante e pequeno estudo de uma investigadora brasileira. Nele ela aborda também a origem etimológica de "marranos", com base nos "porcos" mas também, curiosamente, na própria língua hebraica. Finaliza com surpreendentes explicações para a origem de expressões como "Ficar a ver navios" ou "pensar na morte da bezerra"... Podem consultar em http://www.filologia.org.br/viiifelin/39.htm

14 de dezembro de 2009

O PORTO E OS JUDEUS - 4. OS MARRANOS, O SÉCULO XX E A SINAGOGA DO PORTO



Durante o nosso último percurso, e enquanto atravessavamos a antiga judiaria do Porto,abordamos também, ainda que de um modo sucinto, a "resistência" de algumas famílias judaicas que, apesar de oficialmente convertidas ao cristianismo, continuaram secreta e clandestinamente, até ao século XX, a manter os seus cultos judaicos. Estas famílias e comunidades ficariam conhecidas como "marranos". A sua (re)descoberta para a comunidade judaica internacional (o "resgate" dos marranos) dar-se-ia apenas no início do século XX graças à acção do Capitão Barros Basto, destacado militar português na 1ª Guerra Mundial, a quem também se ficou a dever a construção no Porto, na Rua de Guerra Junqueiro, da Sinagoga Kadoorie - a maior da Península Ibérica(consultar http://pt.wikipedia.org/wiki/Sinagoga_Kadoorie). A instauração do Estado Novo e as pressões da Igreja Católica acabaram por condicionar fortemente a acção de Barros Basto que viria mesmo a ser demitido do Exército, perdendo todos os títulos e condecorações com que havia sido agraciado na sequência da sua destacada participação no conflito mundial. Decorre actualmente uma campanha internacional visando a sua reabilitação (consultar http://www.petitiononline.com/benrosh/petition.html)

6 de dezembro de 2009

O PORTO E OS JUDEUS -3. EXPULSÃO E RESISTÊNCIA

(O (desaparecido) monumento à memória da presença judaica no morro da Vitória. Foto de Sérgio Jacques, de 2007, in http://obradouro.blogspot.com)

No final do século XV, a 5 de Dezembro de 1496, o rei D. Manuel I decreta a conversão obrigatória dos judeus (que passarão a ser designados por cristãos-novos) ou a sua expulsão do reino. A comunidade judaica do Porto, que apenas quatro anos antes acolhera pelo menos mais trinta famílias refugiadas das perseguições em Espanha, não foi excepção. Desaparecia assim a judiaria que, durante muito tempo, abrigou os médicos e físicos judeus, quase os únicos a que a população da cidade podia recorrer. Mas também mercadores, mesteirais, ourives e muitos homens cultos. E desaparecia também o lugar de culto judaico: a sinagoga.
Mais de um século depois, no terreno daquele antigo espaço religioso hebraico, foi edificado um mosteiro beneditino que, na padieira da sua portaria, ostentava, em latim, a seguinte inscrição: "Aquela que foi sede das trevas é o palácio do sol. Expulsas as trevas, o sol bento triunfa". Curiosamente é este triunfo, esta "vitória", do sol bento (o cristianismo) sobre a sede das trevas (o judaísmo, a antiga judiaria e a sua sinagoga) que estará na origem da designação deste mosteiro (S. Bento da Vitória) e do rebaptizar de toda este morro que, assim, perderá paulatinamente o seu antigo topónimo (Olival) em deterimento de Vitória. (texto: Joel Cleto, in http://obradouro.blogspot.com )

O PORTO E OS JUDEUS - 2. A JUDIARIA DO OLIVAL



O grupo "Romper os Sapatos" na antiga judiaria do Porto (fotos Maria Beatriz Capitão)

A presença de judeus no Porto está documentada desde épocas medievais muito recuadas. E, até ao século XIV, o viajante ou peregrino que penetrasse no burgo facilmente contactaria com a comunidade judaica que, embora concentrada em torno de duas ou três artérias, se localizava dentro da velha muralha românica da cidade. Sabe-se, de resto, documentalmente, que haveria mesmo uma sinagoga na actual Rua de Santana, bem perto de uma das velhas portas de entrada na povoação.
Contudo, e não obstante a aparente boa vizinhança que terá caracterizado durante alguns séculos as relações entre a maioria cristã e a comunidade hebraica da cidade, a intolerância religiosa e xenófoba acabariam por se revelar no século XIV. Trata-se de um período de grandes crises políticas, militares e sanitárias, e os judeus foram, então, como em tantas outras épocas de crise anteriores e posteriores, diabolizados, usados como "bode expiatóro" e apontados muitas vezes como os causadores de todos os males.
Este fenómeno que se alastrou a todo o continente europeu, em larga medida impulsionado pelo Papa que se encontrava na primeira linha na denúncia, combate e perseguição aos hereges judeus, chegou também a Portugal e ao Porto e, por volta de 1386, no reinado de D. João I, os judeus foram proíbidos de habitar no velho centro da cidade. A solução, por "mandado e constrangimento" do próprio monarca, foi a sua transferência para o morro fronteiro: o monte do Olival. Com esta política segregacionista juntava-se, num único bairro, os diversos núcleos judaicos, já que além do das Aldas/Santana havia também comunidades isrealitas em S. João Novo e em Monchique, no sítio conhecido por Monte dos Judeus e onde havia também uma sinagoga.
Apesar de se situar dentro das novas muralhas da cidade, erguidas poucos anos antes, a "judiaria nova do Olival" foi certamente uma solução a contra gosto dos judeus. Espaço claramente secundário, ficava também afastado do Porto ribeirinho, comercial e mais dinâmico. Mas, sem hipóteses de se oporem à vontade do rei, do bispo e dos poderosos, aí se fixaram. Aí nasceu e cresceu a judiaria, e no seu topo foi edificada a Sinagoga Nova. Até ao fim do século XV. Até uma nova e ainda mais profunda vaga de intolerância e perseguição religiosa. (texto: Joel Cleto, in http://obradouro.blogspot.com )

O PORTO E OS JUDEUS -1. AS ESCADAS DA ESNOGA



O grupo do "Romper os Sapatos" nas escadas da Esnoga (fotos Maria Beatriz Capitão)

No início da Rua de Belomonte, ainda junto ao Largo de S. Domingos, nasce a extensa escadaria da Vitória. Subida penosa é, contudo e de um modo incontornável, uma das mais rápidas e directas ligações entre a parte baixa e alta do morro da Vitória. É também a partir destas escadas que se pode contemplar uma das mais belas panorâmicas sobre o Porto medieval. Mas este é, igualmente, um dos espaços onde a presença judaica na cidade perdurou até aos nossos dias. Com efeito a toponímia salvaguardou essa Memória histórica e esse Património étnico de gentes, religiões e de culturas de que também é feita uma cidade. E o Porto foi feito de igual modo, durante muitos séculos, de uma extensa e importante comunidade de judeus que, desde o século XIV, se viu proíbida de habitar no morro da Sé e, por tal motivo, foi transferida para o morro do Olival. Nascia assim a judiaria do Porto, no alto da qual se ergueu uma nova sinagoga. No final do século XV os judeus foram definitivamente expulsos da cidade e do país. Mas, sintomaticamente, as escadas que, através da judiaria, conduziam à sinagoga, as rebaptizadas Escadas da Vitória, são também, ainda hoje, designadas por Escadas da "Esnoga".(texto: Joel Cleto, in http://obradouro.blogspot.com )

5 de dezembro de 2009

2ª ETAPA: DA SÉ AO LARGO DOS FERRADORES

O grupo junto ao monumento ao Soldado Desconhecido da Grande Guerra, na Praça de Carlos Alberto.

Sábado, 5 de Dezembro de 2009 - E, debaixo de chuva, cumpriu-se a segunda etapa desta "peregrinação" para Compostela. O início foi na Sé, junto à "muralha suévica" e à estátua a Vímara Peres - pretextos para se abordar as origens cristãs e católicas da cidade do Porto, com invasões e conflitos com mouros à mistura. Motivos para falar do Porto suévico, da conversão dos suevos e da cidade ao catolicismo durante o reinado de Teodomiro (com a lenda da igreja de "Cedo Feita" pelo meio), à invasão muçulmana da Penísula em 711 e à tomada do Porto por Abdazil em 716, à "reconquista" por Afonso I das Astúrias por volta de 750, às posteriores instabilidades e à presúria de Vímara Peres em 868, juntamente com os guerreiros gascões (entre os quais o Bispo que trouxe a Imagem de Nossa Senhora de Vandôme, "aportuguesada" por Vandoma - a actual padroeira da cidade do Porto). Incontornável foi, também, abordar a tomada da cidade em 997 pelo famoso guerreiro muçulmano Almanzor, antes da definitiva passagem da cidade para o domínio cristão.
Pacificada a região, integrada no condado portucalense, o Porto cresce significativamente a partir do século XII, rompendo a velha muralha alti-medieval e estendendo-se para o fronteiro morro do Olival. Foi nessa direcção que prosseguimos, depois de correr a Rua Escura e observar a Rua da Ponte Nova sobre o rio d vila. Já na margem direita deste, no morro do Olival, atravessamos o largo de S. Domingos (onde se recordou a existência no local de um antigo mosteiro medieval dominicano)e iniciamos a subida da encosta através das Escadas da Esnoga (sinagoga)abordando obviamente a judiaria que aqui se desenvolveu a partir do reinado de D. João I, bem assim como a (longa) história dos judeus na cidade. Passagem pela antiga bateria liberal da Vitória, durante o Cerco do Porto, e o impacto que este teve na igreja da Vitória (visita ao interior do templo, onde se observou a imagem da padroeira da autoria de Soares dos Reis e onde se fez diversas considerações à história e "estórias" da Imagem de Nossa Senhora de Fátima, a propósito de uma imagem aí existente da autoria de Guilherme Thedim, o famoso santeiro de Santa Cruz do Bispo/Matosinhos). Passagem pelo mosteiro de S. Bento construído sobre as ruínas da antiga sinagoga judaica e que, marcando a "vitória" dos cristãos sobre os judeus, motivou o nome pelo qual esta elevação passou a ficar conhecida (morro da Vitória em vez de morro do Olival). "Saída" da cidade pelo local da antiga porta do Olival e observação de alguns vestígios da desaparecida muralha fernandina ainda hoje observáveis no interior do actual Café do Olival. Visita ao jardim da Cordoaria e explicação da origem desta designação, ligada à produção de cordas que aqui se praticou a partir dos finais da Idade Média, em articulação com os estaleiros navais que se desenvolviam a algumas centenas de metros de distância nas praias fluviais de Miragaia. Referência ao adro dos enforcados onde, no século XVIII, se construiu a igreja e a torre da Irmandade dos Clérigos Pobres, vulgo "dos Clérigos"). A peregrinação prosseguiu pela antiga Praça do Pão (depois designada por Praça dos Voluntários da Rainha e, mais recentemente, por Praça Gomes Teixeira - mas que toda a gente conhece popularmente por "Praça dos Leões"), de onde se observou e comentou a igreja e antigo convento dos Carmelitas Descalços (desde 1910 quartel da Guarda Nacional Republicana)e a igreja e hospital da Ordem Terceira do Carmo. A caminhada terminou no antigo largo dos Ferradores (actual Praça Carlos Alberto)de onde partiam as principais estradas que ligavam o Porto ao Norte do país. (foto Joel Cleto)