3 de março de 2010

ARCA D'ÁGUA: DOIS ESCLARECIMENTOS


(foto Maria Beatriz Capitão)
Durante a nossa caminhada e a propósito da travessia do jardim da Arca d'Água, colocaram-se duas questões: desde quando é que se encontrava no seu interior o conjunto escultórico que podemos observar e qual o seu significado, e, por outro lado, o que é que esteve na base do duelo que aí teve lugar entre Antero de Quental e Ramalho Ortigão.
Pois cá vão os esclarecimentos. A escultura intitula-se "A Família". Data de 1972 e é da autoria de Charters de Almeida.
Sobre o duelo deixo-vos com um texto que me foi enviado pela Arminda Gonçalves:

Questão Coimbrã
Polémica do Bom Senso e Bom Gosto
Duelo entre Antero e Ramalho
Tudo começou com a célebre Questão Coimbrã que originou uma autêntica guerra literária no seio da comunidade estudantil nos anos sessenta do século XIX. Opunham-se, de um lado, uma facção conservadora, acomodada, ultra-romântica representada por António Feliciano de Castilho e do outro, os estudantes liderados por Antero de Quental que recusavam a Sebenta e defendiam a Ideia Nova. Esta nova ideologia, dos movimentos estéticos do Realismo e do Naturalismo, fazia-se sentir um pouco por toda a Europa, sobretudo em França, e chegava a Coimbra, directamente de Paris, através das modernas linhas de caminho-de-ferro criadas pela Regeneração.
As duas facções são totalmente opostas e a atmosfera em Coimbra vai-se adensando. Castilho, em carta a um editor, ataca a escola de Coimbra, nomeadamente Teófilo Braga e Antero de Quental, apelidando-os de espíritos nóveis e boçais. É então que Antero responde, publicando no Jornal do Comércio, o artigo Bom Senso e Bom Gosto, que acabará por dar nome à questão, que se vai, cada vez mais, intensificando e alargando com a participação de múltiplas publicações de vários críticos e escritores que descem à liça a marcar a sua posição na contenda. Também Ramalho Ortigão participou com um dos artigos mais equilibrados da polémica, Literatura de Hoje, no qual critica as posições literárias de Castilho, mas não se inibe de duramente criticar os ataques de Antero, acusando-o de cobardia, por ter invocado, como argumentos, a velhice e a cegueira do poeta Castilho.
São estes os acontecimentos que vão estar na origem do famoso duelo entre Antero e Ramalho na manhã de 6 de Fevereiro 1866 no Largo da Arca d’Água, no Porto. Foi coisa rápida. Antero fere Ramalho num braço logo no primeiro assalto. A luta termina, as honras ficam lavadas e os dois escritores reconciliam-se.

Um relato de Antero de Quental
Ramalho Ortigão escreveu insolências bastante indignas a meu respeito num folheto a propósito da sempiterna questão Castilho. Eu vim ao Porto para lhe dar porrada. Encontrei, porém, o Camilo o qual me disse que adivinhava o motivo da viagem e que antes das vias de facto, ele iria falar com o homem para ele dar satisfação. Aceitei. A explicação, porém, do dito homem pareceu-me insuficiente e dispunha-me a correr as eventualidades da bofetada quando me veio dizer o Camilo que o homem se louvava em C.J.Vieira e Antero Albano com plenos poderes de decidir a coisa e que fizesse eu o mesmo em dois amigos meus; na certeza de que uns e outros seriam considerados padrinhos de um duelo (!) no caso de se não entenderem a bem... Que can-can!
Ramalho Ortigão, Carta a António de Azevedo Castelo-Branco, Janeiro de 1866

Um relato de Camilo Castelo-Branco
Em 1866 na belicosa cidade do Porto, defrontaram-se de espada nua dois escritores portugueses de muitas excelências literárias e grande pundonor. Correu algum sangue. Deu-se por entretida a curiosidade pública e satisfeita a honra convencional dos combatentes. Alguns dias volvidos ia eu de passeio na estrada de Braga e levava comigo a honrosa companhia de um cavalheiro que lustra entre os mais grados das províncias do Norte. No sítio da Mãe-de-Água apontei a direcção de um plano encoberto pelos pinhais e disse ao meu companheiro: Foi ali que há dias a «Crítica Portuguesa» esgrimiu com o «Ideal Alemão»!
Camilo Castelo-Branco, A Doida do Candal

(1) - É esta geração, designada de Geração de 70, que, na década seguinte, já em Lisboa, vai organizar as polémicas Conferências do Casino, cujo programa não será totalmente cumprido devido a uma proibição do governo. Eça de Queiroz, na sua conferência, diz o seguinte sobre o Realismo (…) O realismo é bem outra coisa: é a negação da arte pela arte; é a proscrição do convencional, do enfático e do piegas. É a abolição da retórica considerada como arte de promover a comoção usando da inchação do período, da epilepsia da palavra, da congestão dos tropos. É a análise com o fito na verdade absoluta. Por outro lado, o realismo é uma reacção contra o romantismo: o romantismo era a apoteose do sentimento; o realismo é a anatomia do carácter. É a crítica do homem. É a arte que nos pinta a nossos próprios olhos – para nos conhecermos, para que saibamos se somos verdadeiros ou falsos, para condenar o que houver de mau na nossa sociedade. (…)
A Literatura Nova ou o Realismo como Nova Expressão de Arte, Eça de Queiroz (Conferência em12 de Junho de 1871)


Bibliografia
Maria do Carmo Castelo-Branco, Maria de Lourdes Alarcão, Do Tibur ao Cenáculo, Porto Editora
www.vidaslusofonas.pt

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